MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. 1930-1942
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MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. 1930-1942
Aí vai meus comentários colegas, mas esse é o tipo de livro em que se tem a impressão de superar, e muito, minhas capacidades:
MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. [Der Mann Ohne Eigenschaften] Tradução: Lya Luft e Carlos Abbenseth. 1930-1942.
Escrito por Robert Musil e publicado entre 1930 e 1942, o Homem sem qualidades se passa no Império Austro-Húngaro, chamado aqui de “Kakânia” às vésperas da 1ª Guerra Mundial; nosso anti-herói, um matemático, resolve passar um ano de absoluta imobilidade e afastamento, puramente reflexivo. A parte publicada desse livro transcorre neste ano e se concentra em encontros do protagonista com um catálogo de figuras representativas do mundo de idéias da época: Assim, somos apresentados a histérica, a ninfomaníaca, o artista burguês, a diletante, o funcionário público, o representante militar, o ricaço filósofo, o membro da aristocracia governante, o nacionalista, etc todos mais ou menos envolvidos em uma congregação auto-denominado de “Ação paralela”, um movimento com o objetivo de encontrar alguma ação com o intuito de comemorar o aniversário do Imperador Francisco José em algum tipo de ato prático, não bem especificado. De fato, boa parte do livro se trata das reuniões de salão em que se tenta, desesperadamente, encontrar um objetivo ou razão de ser para a tal ação no turbilhão de idéias em que os personagens estão inseridos; a primeira guerra mundial é de certa forma o pano de fundo e a consequência óbvia do desenvolvimento do livro, que com um humor mordaz e uma fúria analítica comparável somente à de Proust, faz inventário de uma era em que o desencanto com o mundo das idéias é expresso pelo esgotamento tanto das idéias da modernidade quanto do romanticismo, sentimentalismo ou do conservadorismo da época.
A descrição usual que se dá ao livro, de não ter notavelmente muita trama, certamente é verdadeira; porém o primeiro volume é impecavelmente composto, com um clímax que lembra os confrontos de ideologias de Dostoiévski, quando Ulrich, o protagonista é confrontado com praticamente com todas as correntes ideológicas expostas no livro de forma sucessiva. O segundo volume, não terminado, é talvez mais centrado em um fio narrativo mais constante (no caso, o desenvolvimento do “incesto espiritual” de Ulrich com sua irmã recém-encontrada Agata), com algumas digressões sobre o desenvolvimento da ação paralela.
Mas o que separa esse livro de tantos outros a comentar o período, é certamente sua prosa altamente complexa, repleta de digressões, reflexões e análises sobre o estado de espírito da época; a narrativa parece disposta a analisar obsessivamente cada expressão espiritual de forma a dividi-la em seus mais ínfimos componentes, derivando daí uma reflexão altamente abstrata e às vezes impenetrável, mas não desprovida de sarcasmo e bom humor; não por acaso, a edição brasileira em que li o livro, termina subitamente durante a leitura do diário do protagonista, que tenta analisar e hierarquizar sentimentos, sensações e a relação de sua existência a priori ou determinada pelo indivíduo ( e tem gente que reclama das pregações do Padre Zózima em Os irmãos Karamazóvi!); esse é o tipo de livro em que até mesmo os adultérios elegantes de madames estão relacionados a considerações sobre sua posição em relação ao tipo de idealismo que elas pretendem exibir na sociedade.
A título de exemplo vai aqui um trecho em que Musil comenta sobre a situação da monarquia dual à época:
“Hoje em dia agimos como se o nacionalismo fosse invenção dos fornecedores dos
exércitos, mas deveríamos tentar uma explicação mais ampla, e a Kakânia fornecia uma
importante comprovação para tal. Os habitantes dessa dupla imperial-real monarquia
imperial e real enfrentavam uma pesada tarefa; deviam sentir-se patriotas imperiais e reais
austro-húngaros, mas ao mesmo tempo do reino húngaro ou do real império austríaco.
Seu lema predileto face a essas dificuldades era: “forças unidas!” Chamava-se a isso
viribus unitis. Os austríacos porém precisavam de mais forças para isso do que os
húngaros. Pois os húngaros eram antes e depois de tudo apenas
húngaros, e só secundariamente outras pessoas que não entendiam sua língua os
consideravam austro-húngaros; os austríacos, ao contrário, antes de tudo, originariamente,
não eram nada, e segundo seus dirigentes deveriam sentir-se indiferentemente austrohúngaros
ou austríacos-húngaros — nem ao menos havia uma expressão adequada para
isso. Tampouco havia a Áustria. As duas partes, Hungria e Austria, combinavam entre si
como um casaco vermelho-branco-verde com uma calça preta-e-amarela; o casaco era
uma peça isolada, a calça era o resto de um terno preto-e-amarelo que já não existia mais,
pois fora separado em mil oitocentos e sessenta e sete. A calça “Áustria” chamava-se
desde então, na linguagem oficial, “reinos e países representados no Conselho do Reino”.
O que naturalmente não significava coisa alguma, e era um nome feito de nomes, pois
também esses reinos, por exemplo os reinos tão shakespeareanos da Lodoméria e da
Ilíria, há muito não existiam mais, e já nem existiam quando ainda havia um terno pretoe-
amarelo completo. Por isso, se perguntavam a um austríaco o que ele era, naturalmente o homem não podia responder: sou de um dos reinos e países inexistentes representados
no Conselho do Reino. Assim, preferia dizer: sou polonês, tcheco, italiano, friulano,
rético, esloveno, croata, sérvio, eslovaco, ruteno ou valaco, e era isso que chamavam
nacionalismo. Imagine-se um porquinho-da-índia, que não sabe se é porco ou roedor,
portanto um ser que não tem nenhum conceito sobre si mesmo, e entender-se-á que
eventualmente ele possa sentir um medo enorme até do próprio rabinho; mas era nessa
relação que se encontravam os kakanianos uns com os outros, e encaravam-se com o
pânico horror de membros que, unindo as forças, impediam uns aos outros de serem
qualquer coisa. Desde que existe a Terra não houve uma criatura que tivesse morrido de
um lapso de linguagem, mas deve-se acrescentar que, mesmo assim, a dupla monarquia
austro-húngara e austríaca e húngara acabou arruinada por ser impronunciável."
Homem sem Qualidades é mais um livro de um subgênero comum nos séculos XIX e XX: Do tipo que não faz porra nenhuma. Dessa forma, Ulrich entra na galeria dos personagens que incluem Oblomov, Bentinho, Brás Cubas, o narrador de Proust, etc.
http://desordenarparadesordenar.blogspot.com.br/
MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. [Der Mann Ohne Eigenschaften] Tradução: Lya Luft e Carlos Abbenseth. 1930-1942.
Escrito por Robert Musil e publicado entre 1930 e 1942, o Homem sem qualidades se passa no Império Austro-Húngaro, chamado aqui de “Kakânia” às vésperas da 1ª Guerra Mundial; nosso anti-herói, um matemático, resolve passar um ano de absoluta imobilidade e afastamento, puramente reflexivo. A parte publicada desse livro transcorre neste ano e se concentra em encontros do protagonista com um catálogo de figuras representativas do mundo de idéias da época: Assim, somos apresentados a histérica, a ninfomaníaca, o artista burguês, a diletante, o funcionário público, o representante militar, o ricaço filósofo, o membro da aristocracia governante, o nacionalista, etc todos mais ou menos envolvidos em uma congregação auto-denominado de “Ação paralela”, um movimento com o objetivo de encontrar alguma ação com o intuito de comemorar o aniversário do Imperador Francisco José em algum tipo de ato prático, não bem especificado. De fato, boa parte do livro se trata das reuniões de salão em que se tenta, desesperadamente, encontrar um objetivo ou razão de ser para a tal ação no turbilhão de idéias em que os personagens estão inseridos; a primeira guerra mundial é de certa forma o pano de fundo e a consequência óbvia do desenvolvimento do livro, que com um humor mordaz e uma fúria analítica comparável somente à de Proust, faz inventário de uma era em que o desencanto com o mundo das idéias é expresso pelo esgotamento tanto das idéias da modernidade quanto do romanticismo, sentimentalismo ou do conservadorismo da época.
A descrição usual que se dá ao livro, de não ter notavelmente muita trama, certamente é verdadeira; porém o primeiro volume é impecavelmente composto, com um clímax que lembra os confrontos de ideologias de Dostoiévski, quando Ulrich, o protagonista é confrontado com praticamente com todas as correntes ideológicas expostas no livro de forma sucessiva. O segundo volume, não terminado, é talvez mais centrado em um fio narrativo mais constante (no caso, o desenvolvimento do “incesto espiritual” de Ulrich com sua irmã recém-encontrada Agata), com algumas digressões sobre o desenvolvimento da ação paralela.
Mas o que separa esse livro de tantos outros a comentar o período, é certamente sua prosa altamente complexa, repleta de digressões, reflexões e análises sobre o estado de espírito da época; a narrativa parece disposta a analisar obsessivamente cada expressão espiritual de forma a dividi-la em seus mais ínfimos componentes, derivando daí uma reflexão altamente abstrata e às vezes impenetrável, mas não desprovida de sarcasmo e bom humor; não por acaso, a edição brasileira em que li o livro, termina subitamente durante a leitura do diário do protagonista, que tenta analisar e hierarquizar sentimentos, sensações e a relação de sua existência a priori ou determinada pelo indivíduo ( e tem gente que reclama das pregações do Padre Zózima em Os irmãos Karamazóvi!); esse é o tipo de livro em que até mesmo os adultérios elegantes de madames estão relacionados a considerações sobre sua posição em relação ao tipo de idealismo que elas pretendem exibir na sociedade.
A título de exemplo vai aqui um trecho em que Musil comenta sobre a situação da monarquia dual à época:
“Hoje em dia agimos como se o nacionalismo fosse invenção dos fornecedores dos
exércitos, mas deveríamos tentar uma explicação mais ampla, e a Kakânia fornecia uma
importante comprovação para tal. Os habitantes dessa dupla imperial-real monarquia
imperial e real enfrentavam uma pesada tarefa; deviam sentir-se patriotas imperiais e reais
austro-húngaros, mas ao mesmo tempo do reino húngaro ou do real império austríaco.
Seu lema predileto face a essas dificuldades era: “forças unidas!” Chamava-se a isso
viribus unitis. Os austríacos porém precisavam de mais forças para isso do que os
húngaros. Pois os húngaros eram antes e depois de tudo apenas
húngaros, e só secundariamente outras pessoas que não entendiam sua língua os
consideravam austro-húngaros; os austríacos, ao contrário, antes de tudo, originariamente,
não eram nada, e segundo seus dirigentes deveriam sentir-se indiferentemente austrohúngaros
ou austríacos-húngaros — nem ao menos havia uma expressão adequada para
isso. Tampouco havia a Áustria. As duas partes, Hungria e Austria, combinavam entre si
como um casaco vermelho-branco-verde com uma calça preta-e-amarela; o casaco era
uma peça isolada, a calça era o resto de um terno preto-e-amarelo que já não existia mais,
pois fora separado em mil oitocentos e sessenta e sete. A calça “Áustria” chamava-se
desde então, na linguagem oficial, “reinos e países representados no Conselho do Reino”.
O que naturalmente não significava coisa alguma, e era um nome feito de nomes, pois
também esses reinos, por exemplo os reinos tão shakespeareanos da Lodoméria e da
Ilíria, há muito não existiam mais, e já nem existiam quando ainda havia um terno pretoe-
amarelo completo. Por isso, se perguntavam a um austríaco o que ele era, naturalmente o homem não podia responder: sou de um dos reinos e países inexistentes representados
no Conselho do Reino. Assim, preferia dizer: sou polonês, tcheco, italiano, friulano,
rético, esloveno, croata, sérvio, eslovaco, ruteno ou valaco, e era isso que chamavam
nacionalismo. Imagine-se um porquinho-da-índia, que não sabe se é porco ou roedor,
portanto um ser que não tem nenhum conceito sobre si mesmo, e entender-se-á que
eventualmente ele possa sentir um medo enorme até do próprio rabinho; mas era nessa
relação que se encontravam os kakanianos uns com os outros, e encaravam-se com o
pânico horror de membros que, unindo as forças, impediam uns aos outros de serem
qualquer coisa. Desde que existe a Terra não houve uma criatura que tivesse morrido de
um lapso de linguagem, mas deve-se acrescentar que, mesmo assim, a dupla monarquia
austro-húngara e austríaca e húngara acabou arruinada por ser impronunciável."
Homem sem Qualidades é mais um livro de um subgênero comum nos séculos XIX e XX: Do tipo que não faz porra nenhuma. Dessa forma, Ulrich entra na galeria dos personagens que incluem Oblomov, Bentinho, Brás Cubas, o narrador de Proust, etc.
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tiago- Crime e Castigo
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Re: MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. 1930-1942
“Ação paralela”? Isso e outras coisas desse texto me lembraram Pynchon,deve ter sido livro de cabeceira dele(principalmente na feitura do Gravity´s).
Deco- Ana Karenina
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Idade : 35
Re: MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. 1930-1942
Poxa, fiquei interessado.
É um calhamaço?
Não sabia que a Lia Luft também traduzia do alemão...
É um calhamaço?
Não sabia que a Lia Luft também traduzia do alemão...
Re: MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. 1930-1942
tiago escreveu:De fato, boa parte do livro se trata das reuniões de salão em que se tenta, desesperadamente, encontrar um objetivo ou razão de ser para a tal ação no turbilhão de idéias em que os personagens estão inseridos; a primeira guerra mundial é de certa forma o pano de fundo e a consequência óbvia do desenvolvimento do livro, que com um humor mordaz e uma fúria analítica comparável somente à de Proust, faz inventário de uma era em que o desencanto com o mundo das idéias é expresso pelo esgotamento tanto das idéias da modernidade quanto do romanticismo, sentimentalismo ou do conservadorismo da época.
Nunca imaginei que ele tivesse essa obsessão pelo salão.
Só aumentou minha vontade de Lê-lo.
Última edição por Mat em 17th abril 2014, 11:37 pm, editado 1 vez(es)
Mat- Guerra e Paz
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Re: MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. 1930-1942
Sensacional.tiago escreveu:"Desde que existe a Terra não houve uma criatura que tivesse morrido de
um lapso de linguagem, mas deve-se acrescentar que, mesmo assim, a dupla monarquia
austro-húngara e austríaca e húngara acabou arruinada por ser impronunciável."
Ótima resenha, Tiago. Também fiquei com mais vontade de ler o livro.
Oric- Crime e Castigo
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Re: MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. 1930-1942
Excelente resenha, tiago!
Parabéns!!
Sempre tive vontade de ler, porém foi um livro do qual nunca fui muito atrás. Mas após sua resenha o interesse aumentou.
Leu na edição da Nova Fronteira??
Parabéns!!
Sempre tive vontade de ler, porém foi um livro do qual nunca fui muito atrás. Mas após sua resenha o interesse aumentou.
Leu na edição da Nova Fronteira??
lavoura- Guerra e Paz
- Mensagens : 2350
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Idade : 35
Re: MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. 1930-1942
1800 páginas dá uma preguiça que só.
RafaelS- Ana Karenina
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Localização : Rio de Janeiro
Re: MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. 1930-1942
Aliás, o Kundera é um que vive elogiando o Musil.
RafaelS- Ana Karenina
- Mensagens : 399
Data de inscrição : 11/02/2013
Localização : Rio de Janeiro
Re: MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. 1930-1942
Está ai uma verdade.RafaelS escreveu:1800 páginas dá uma preguiça que só.
Re: MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. 1930-1942
RafaelS escreveu:1800 páginas dá uma preguiça que só.
Re: MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. 1930-1942
RafaelS escreveu:Aliás, o Kundera é um que vive elogiando o Musil.
Pois é. No livro dele "A arte do Romance" ele cita várias vezes o Musil como mestre do romance. Até na análise dos livros do Broch ele fica citando o Musil.
Mas não sabia que eram 1800 páginas!
Achei que chutando alto, mal chegavam a mil.
lavoura- Guerra e Paz
- Mensagens : 2350
Data de inscrição : 26/06/2012
Idade : 35
Re: MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. 1930-1942
Que vontade de ler esse livro... Pena que seja tão caro
Um dia eu conseguirei lê-lo!
Obrigada pelos comentários, Tiago.
Um dia eu conseguirei lê-lo!
Obrigada pelos comentários, Tiago.
Aline Santiago- A Dama do Cachorrinho
- Mensagens : 124
Data de inscrição : 03/03/2013
Re: MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. 1930-1942
Vários livros da Nova Fronteira estão saindo pela Saraiva de bolso. Poderia rolar esse aí nuns dois volumes.
Oric- Crime e Castigo
- Mensagens : 948
Data de inscrição : 18/12/2012
Re: MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. 1930-1942
Deco escreveu:“Ação paralela”? Isso e outras coisas desse texto me lembraram Pynchon,deve ter sido livro de cabeceira dele(principalmente na feitura do Gravity´s).
Vc sabe se é verdade ou está conjeturando?
Em um livro do Pynchon, a ação paralela provavelmente seria um grupo de alternativos malucões andando por aí, sendo subversivos de uma forma geral. Aqui é um grupo das senhoras e dos senhores mais respeitáveis da sociedade, basicamente querendo ser patriotas e conservadores e alimentando idéias liberais, em primeiro lugar para parecerem idealistas e modernos e ao mesmo tempo para mantê-las no controle.
Um dos primeiros atos da tal sociedade é criar uma série de comissões, que por natureza, imitam a divisão dos ministérios do governo
Não se esqueçam que são 1.800 páginas de um romance não terminado, mas suponho que haja várias versões por aí. O fato de não ser terminado e ao mesmo tempo frustrante, pois se tem a idéia de vários temas que o Musil provavelmente ainda iria desenvolver e adequado, já que pela natureza dos personagens e acontecimentos ninguém ia chegar a conclusão nenhuma.
tiago- Crime e Castigo
- Mensagens : 849
Data de inscrição : 17/07/2011
Re: MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. 1930-1942
tiago escreveu:Deco escreveu:“Ação paralela”? Isso e outras coisas desse texto me lembraram Pynchon,deve ter sido livro de cabeceira dele(principalmente na feitura do Gravity´s).
Vc sabe se é verdade ou está conjeturando?
Em um livro do Pynchon, a ação paralela provavelmente seria um grupo de alternativos malucões andando por aí, sendo subversivos de uma forma geral. Aqui é um grupo das senhoras e dos senhores mais respeitáveis da sociedade, basicamente querendo ser patriotas e conservadores e alimentando idéias liberais, em primeiro lugar para parecerem idealistas e modernos e ao mesmo tempo para mantê-las no controle.
Um dos primeiros atos da tal sociedade é criar uma série de comissões, que por natureza, imitam a divisão dos ministérios do governo
Não se esqueçam que são 1.800 páginas de um romance não terminado, mas suponho que haja várias versões por aí. O fato de não ser terminado e ao mesmo tempo frustrante, pois se tem a idéia de vários temas que o Musil provavelmente ainda iria desenvolver e adequado, já que pela natureza dos personagens e acontecimentos ninguém ia chegar a conclusão nenhuma.
Estou conjeturando,acho meio parecido com passagens do ''Arco-iris'' ou ''Contra o dia'',no ultimo citado temos passagens falando sobre Império Austro-Húngaro e toda uma tensão que antecede a 1ª Guerra Mundial. Enfim pode ser coisa da minha cabeça,mas o longo trecho q vc postou me lembra coisas de Pynchon quando ele se refere a esses conflitos acerca de nacionalidade.
Deco- Ana Karenina
- Mensagens : 305
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Re: MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. 1930-1942
Fui pesquisar sobre o autor e falam bem de outro livro dele também:
O Jovem Törless
Ao que tudo indica é um romance de formação.
Esse tem a partir de R$3,00 no Estante virtual.
O Jovem Törless
Ao que tudo indica é um romance de formação.
Esse tem a partir de R$3,00 no Estante virtual.
lavoura- Guerra e Paz
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Data de inscrição : 26/06/2012
Idade : 35
Re: MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. 1930-1942
É um bom livro esse, mas nada excepcional. Quem conheço que leu os dois fala que não da nem pra sentir a potencia de O homem sem qualidades no Jovem Torless
E está mais para O ateneu do Pompéia do que para um romance de formação propriamente dito hehehe.
E está mais para O ateneu do Pompéia do que para um romance de formação propriamente dito hehehe.
RafaelS- Ana Karenina
- Mensagens : 399
Data de inscrição : 11/02/2013
Localização : Rio de Janeiro
Re: MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. 1930-1942
Nao li, mas por acaso vi um filme que é adaptação desse livro (não lembro nada, o filme é altamente experimental, mas muito chato); o diretor é famoso pelo filme O tambor, também adaptação de um livro famosinho aí.
tiago- Crime e Castigo
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Re: MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. 1930-1942
Aí vai minha opinião sobre o livro, amigos.
“O homem sem qualidades” de Robert Musil – escritor austríaco que ao lado de nomes como Hermann Broch e Thomas Mann, configura o panteão do modernismo alemão – desde as primeiras páginas dá mostras de ser não somente um romance comum – daqueles tipicamente desenvolvidos no século XIX – mas, antes de tudo, um grande ensaio com ares de ficção que promove a reflexão sobre o papel do homem de idéias e sentimentos no mundo industrial e pretende reunir todo o “espírito do tempo” (zeitgeist) do Império Austro-húngaro em quase dissolução antes da primeira guerra mundial de uma só vez.
A prosa de Musil não apresenta dificuldades léxicas e formais, mas exige grande esforço na leitura por tratar de temas sobrepostos uns aos outros em ordem sistêmica que pretendem catalogar a infinidade de figuras e sentimentos de uma época e de um povo que estão intrinsecamente relacionados entre si.
Escrito entre 1930 e 1942, a história se passa no Império austro-húngaro que no livro se chama Kakânia. A primeira parte intitulada “Uma espécie de introdução” trata dos acontecimentos que levam Ulrich, personagem principal do livro – um matemático que, na história, está afastado de suas atividades intelectuais em um ano puramente reflexivo -, a se filiar a um tipo de sociedade secreta com espírito nacionalista que está planejando um grande ato patriótico onde se pretende lançar a Kakânia ao nível das nações importantes e culturalmente sólidas – os personagens acreditam que a Kakânia ainda não tem um símbolo “nacional” que a represente e durante longos trechos digressivos discutem a possibilidade da união dos países de língua alemã como única maneira de tornar-se um grande império respeitado.
A “Ação paralela” – esse é o nome oficial do grande ato patriótico - foi inicialmente desenvolvida pelo conde Leinsdorf, um homem que como se vê é muito rico e respeitado. O conde é nacionalista e gosta de discutir filosofia com Ulrich durante as tardes de tédio em seu castelo. Aqui percebemos claramente o tom jocoso de Musil ao tratar de temas que envolvem nacionalismo e caracterizar as tentativas de sujeitos em reunir sob o selo da “comunidade” aquele elo que os une como “nação”. Aparentemente todos os personagens de uma forma ou de outra estão envolvidos na Ação Paralela e discutem todo o tempo sobre o homem do Império Austro-Húngaro e seu papel no tempo e na história.
O livro não tem tantos personagens, mas os poucos que aparecem tem fundamental importância para o desenvolvimento da estrutura da narrativa e representam, cada um em seu signo de excentricidade, o tipo de caricatura que o autor pretende apresentar. Ulrich, o personagem principal; o típico anti-herói que parece perdido em um mundo que funciona contra ele. Diotima, prima de Ulrich e mulher que representa, no romance, o espírito anti-nacionalista afirmando que “a verdadeira Áustria é o mundo inteiro”. Walter e Clarissa, um casal amigo de Ulrich que tem especial importância em algumas cenas em que dialogam sobre Nietzsche e falam sobre música com o protagonista. Moosbrugger, estuprador e assassino que está preso; no livro é o símbolo do monstro criado pelo estado. Ágata, irmã de Ulrich que terá um papel singular no livro II.
O romance está estruturalmente dividido em duas longas partes (oficiais) e a parte da “Obra póstuma” que encerra o livro com a leitura do Diário do protagonista. A primeira, como já foi dito, trata da relação de Ulrich com os membros da sociedade que, mais tarde, vão compor o núcleo da Ação Paralela. Além de reflexões sobre a natureza do nacionalismo, o autor faz a apresentação dos personagens com qual Ulrich terá que se confrontar durante toda trama e, consequentemente, as idéias as quais os personagens estão envolvidos.
A segunda parte, que é muito mais interior e divagadora, narra o reencontro de Ulrich com sua irmã Ágata. Além do desenvolvimento do que Musil chama de “Incesto espiritual” entre os dois – em cenas de sexo sensoriais – ainda vemos digressões sobre a ação paralela, a morte do pai de Ulrich e alguns personagens que ressurgem da primeira parte como forma de dar continuidade aos eventos e discussões que permeiam a Ação Paralela.
Muitos acreditam que esse é o livro mais significativo que o autor escreveu em vida e, de fato, aqui ele fez o grande inventário de temas, personagens, dicotomias, conflitos e análise sociais jamais apresentados de forma tão descomunal em um romance. As propostas de Musil são ambiciosas porque não só pretendem abarcar o espírito de uma época e refletir sobre ela inter-relacionando microtemas que surgem na narrativa em forma de digressões, mas também obter e sintetizar a relação entre o místico e o científico em mundo dominado pelo espírito da modernidade.
Durante a leitura do livro fica claro como o autor, em ordem dicotômica, pretende avaliar como a alma e a carne lutam no núcleo dos personagens e como eles lidam com o resultado disso – o maior exemplo são as cenas de sexo entre Ulrich e praticamente todas as mulheres do romance:
“Desde então, todas as suas relações com mulheres tinham sido ilegítimas, e, com alguma boa vontade dos dois lados, isso infelizmente é muito fácil de acontecer. Há um esquema de emoções, ações e complicações que dominam um homem e uma mulher assim que tem o primeiro pensamento, e os acontecimentos seguintes seguem internamento um curso às avessas, já não botam da fonte. O mero agrado que umas pessoas sentem uma na outra, aquele mais simples e profundo sentimento de amor que é a origem natural de todo o resto, não acontece mais nessa inversão psíquica. Assim, em suas andanças com Diotima, Ulrich frequentemente recordava sua despedida na primeira visita. Naquela ocasião segurara na mão a suave mão dela, uma mão leve, artisticamente trabalhada, e haviam-se fitado nos olhos; certamente ambos tinham sentido repulsa, mas pensando que poderiam se interpenetrar até se desfazerem um no outro. Alguma coisa dessa visão permanecia entre eles. Assim, em cima as duas cabeças se enfrentavam com terrível frieza, mas embaixo os corpos se uniam ardentes e entregues. Nisso há qualquer coisa perversamente mítica, como num deus de duas cabeças ou no casco do cavalo do Diabo, e muitas vezes levara Ulrich a desvios na sua juventude [...]” (p. 312)
O que mais chama atenção nesse livro é que o autor não tenta imprimir julgamentos sobre a conduta humana (como é particularmente visível em Tolstoi, por exemplo), nem dá grandes lições de moral sobre a relação entre Carne e Espírito, mas, ao contrário, com sua galeria de personagens e conflitos, mostra a inconstância, a mutabilidade e a fragilidade desses conceitos diante da dualidade das relações humanas.
“Em grande parte, porém, a história acontece sem autores. Ela surge não de um centro, mas da periferia. De pequenas causas. Provavelmente nem é preciso tanto quanto se imagina para transformar o homem gótico ou o grego antigo no moderno homem civilizado. Pois o ser humano é capaz tanto de canibalismo quanto de crítica da razão pura; pode realizar as duas coisas com as mesmas convicções e qualidades, quando a situação exige, e diferenças interiores muito reduzidas.” (p. 391)
Só discordo do colega Tiago ao enquadrar Ulrich na categoria de “homem fútil”. Vejo Ulrich, na verdade, como o tipo que, idealisticamente, se apaga da sociedade como ferramenta de defesa contra um mundo que o obriga a agir dessa ou daquela maneira. Ele não quer se enquadrar ou fazer parte de nada, apenas está em um momento de transe místico [e sua sensibilidade para as “especulações do espírito” durante o romance é visível] em que não vê, não ouve e não fala. É o homem que não tem nada a oferecer, é vazio; sem qualidades, mas tudo por vontade própria. Acho que Musil de alguma maneira tentou representar analiticamente em Ulrich o tipo de esvaziamento de idéias ao qual o homem moderno precisa se submeter para não sucumbir ao caos e desordem do espírito; suponho que esse seja o mote central da trama.
"Ouvi, então, sem sons; vi, então, sem luz. E meu coração ficou sem fundo, minha alma sem amor, meu espírito sem forma e minha natureza sem substância.” (p. 1150)
O livro é realmente muito bom. Apesar do tamanho, não me cansou. A única parte que achei chata foi na "Obra póstuma" a leitura do Diário de Ulrich: não entendi porra nenhuma.
“O homem sem qualidades” de Robert Musil – escritor austríaco que ao lado de nomes como Hermann Broch e Thomas Mann, configura o panteão do modernismo alemão – desde as primeiras páginas dá mostras de ser não somente um romance comum – daqueles tipicamente desenvolvidos no século XIX – mas, antes de tudo, um grande ensaio com ares de ficção que promove a reflexão sobre o papel do homem de idéias e sentimentos no mundo industrial e pretende reunir todo o “espírito do tempo” (zeitgeist) do Império Austro-húngaro em quase dissolução antes da primeira guerra mundial de uma só vez.
A prosa de Musil não apresenta dificuldades léxicas e formais, mas exige grande esforço na leitura por tratar de temas sobrepostos uns aos outros em ordem sistêmica que pretendem catalogar a infinidade de figuras e sentimentos de uma época e de um povo que estão intrinsecamente relacionados entre si.
Escrito entre 1930 e 1942, a história se passa no Império austro-húngaro que no livro se chama Kakânia. A primeira parte intitulada “Uma espécie de introdução” trata dos acontecimentos que levam Ulrich, personagem principal do livro – um matemático que, na história, está afastado de suas atividades intelectuais em um ano puramente reflexivo -, a se filiar a um tipo de sociedade secreta com espírito nacionalista que está planejando um grande ato patriótico onde se pretende lançar a Kakânia ao nível das nações importantes e culturalmente sólidas – os personagens acreditam que a Kakânia ainda não tem um símbolo “nacional” que a represente e durante longos trechos digressivos discutem a possibilidade da união dos países de língua alemã como única maneira de tornar-se um grande império respeitado.
A “Ação paralela” – esse é o nome oficial do grande ato patriótico - foi inicialmente desenvolvida pelo conde Leinsdorf, um homem que como se vê é muito rico e respeitado. O conde é nacionalista e gosta de discutir filosofia com Ulrich durante as tardes de tédio em seu castelo. Aqui percebemos claramente o tom jocoso de Musil ao tratar de temas que envolvem nacionalismo e caracterizar as tentativas de sujeitos em reunir sob o selo da “comunidade” aquele elo que os une como “nação”. Aparentemente todos os personagens de uma forma ou de outra estão envolvidos na Ação Paralela e discutem todo o tempo sobre o homem do Império Austro-Húngaro e seu papel no tempo e na história.
O livro não tem tantos personagens, mas os poucos que aparecem tem fundamental importância para o desenvolvimento da estrutura da narrativa e representam, cada um em seu signo de excentricidade, o tipo de caricatura que o autor pretende apresentar. Ulrich, o personagem principal; o típico anti-herói que parece perdido em um mundo que funciona contra ele. Diotima, prima de Ulrich e mulher que representa, no romance, o espírito anti-nacionalista afirmando que “a verdadeira Áustria é o mundo inteiro”. Walter e Clarissa, um casal amigo de Ulrich que tem especial importância em algumas cenas em que dialogam sobre Nietzsche e falam sobre música com o protagonista. Moosbrugger, estuprador e assassino que está preso; no livro é o símbolo do monstro criado pelo estado. Ágata, irmã de Ulrich que terá um papel singular no livro II.
O romance está estruturalmente dividido em duas longas partes (oficiais) e a parte da “Obra póstuma” que encerra o livro com a leitura do Diário do protagonista. A primeira, como já foi dito, trata da relação de Ulrich com os membros da sociedade que, mais tarde, vão compor o núcleo da Ação Paralela. Além de reflexões sobre a natureza do nacionalismo, o autor faz a apresentação dos personagens com qual Ulrich terá que se confrontar durante toda trama e, consequentemente, as idéias as quais os personagens estão envolvidos.
A segunda parte, que é muito mais interior e divagadora, narra o reencontro de Ulrich com sua irmã Ágata. Além do desenvolvimento do que Musil chama de “Incesto espiritual” entre os dois – em cenas de sexo sensoriais – ainda vemos digressões sobre a ação paralela, a morte do pai de Ulrich e alguns personagens que ressurgem da primeira parte como forma de dar continuidade aos eventos e discussões que permeiam a Ação Paralela.
Muitos acreditam que esse é o livro mais significativo que o autor escreveu em vida e, de fato, aqui ele fez o grande inventário de temas, personagens, dicotomias, conflitos e análise sociais jamais apresentados de forma tão descomunal em um romance. As propostas de Musil são ambiciosas porque não só pretendem abarcar o espírito de uma época e refletir sobre ela inter-relacionando microtemas que surgem na narrativa em forma de digressões, mas também obter e sintetizar a relação entre o místico e o científico em mundo dominado pelo espírito da modernidade.
Durante a leitura do livro fica claro como o autor, em ordem dicotômica, pretende avaliar como a alma e a carne lutam no núcleo dos personagens e como eles lidam com o resultado disso – o maior exemplo são as cenas de sexo entre Ulrich e praticamente todas as mulheres do romance:
“Desde então, todas as suas relações com mulheres tinham sido ilegítimas, e, com alguma boa vontade dos dois lados, isso infelizmente é muito fácil de acontecer. Há um esquema de emoções, ações e complicações que dominam um homem e uma mulher assim que tem o primeiro pensamento, e os acontecimentos seguintes seguem internamento um curso às avessas, já não botam da fonte. O mero agrado que umas pessoas sentem uma na outra, aquele mais simples e profundo sentimento de amor que é a origem natural de todo o resto, não acontece mais nessa inversão psíquica. Assim, em suas andanças com Diotima, Ulrich frequentemente recordava sua despedida na primeira visita. Naquela ocasião segurara na mão a suave mão dela, uma mão leve, artisticamente trabalhada, e haviam-se fitado nos olhos; certamente ambos tinham sentido repulsa, mas pensando que poderiam se interpenetrar até se desfazerem um no outro. Alguma coisa dessa visão permanecia entre eles. Assim, em cima as duas cabeças se enfrentavam com terrível frieza, mas embaixo os corpos se uniam ardentes e entregues. Nisso há qualquer coisa perversamente mítica, como num deus de duas cabeças ou no casco do cavalo do Diabo, e muitas vezes levara Ulrich a desvios na sua juventude [...]” (p. 312)
O que mais chama atenção nesse livro é que o autor não tenta imprimir julgamentos sobre a conduta humana (como é particularmente visível em Tolstoi, por exemplo), nem dá grandes lições de moral sobre a relação entre Carne e Espírito, mas, ao contrário, com sua galeria de personagens e conflitos, mostra a inconstância, a mutabilidade e a fragilidade desses conceitos diante da dualidade das relações humanas.
“Em grande parte, porém, a história acontece sem autores. Ela surge não de um centro, mas da periferia. De pequenas causas. Provavelmente nem é preciso tanto quanto se imagina para transformar o homem gótico ou o grego antigo no moderno homem civilizado. Pois o ser humano é capaz tanto de canibalismo quanto de crítica da razão pura; pode realizar as duas coisas com as mesmas convicções e qualidades, quando a situação exige, e diferenças interiores muito reduzidas.” (p. 391)
Só discordo do colega Tiago ao enquadrar Ulrich na categoria de “homem fútil”. Vejo Ulrich, na verdade, como o tipo que, idealisticamente, se apaga da sociedade como ferramenta de defesa contra um mundo que o obriga a agir dessa ou daquela maneira. Ele não quer se enquadrar ou fazer parte de nada, apenas está em um momento de transe místico [e sua sensibilidade para as “especulações do espírito” durante o romance é visível] em que não vê, não ouve e não fala. É o homem que não tem nada a oferecer, é vazio; sem qualidades, mas tudo por vontade própria. Acho que Musil de alguma maneira tentou representar analiticamente em Ulrich o tipo de esvaziamento de idéias ao qual o homem moderno precisa se submeter para não sucumbir ao caos e desordem do espírito; suponho que esse seja o mote central da trama.
"Ouvi, então, sem sons; vi, então, sem luz. E meu coração ficou sem fundo, minha alma sem amor, meu espírito sem forma e minha natureza sem substância.” (p. 1150)
O livro é realmente muito bom. Apesar do tamanho, não me cansou. A única parte que achei chata foi na "Obra póstuma" a leitura do Diário de Ulrich: não entendi porra nenhuma.
Última edição por Mat em 18th setembro 2013, 8:43 am, editado 6 vez(es)
Mat- Guerra e Paz
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Re: MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. 1930-1942
Parabéns! Conseguiu me deixar com mais vontade de ler, justo agora que o livro está esgotado por ai!
Muito boa resenha, Mat.
Muito boa resenha, Mat.
lavoura- Guerra e Paz
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Re: MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. 1930-1942
E o preço aumentou, Lavoura. Ta de 126 na cultura.
Mat- Guerra e Paz
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Re: MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. 1930-1942
E pensar que já vi por uns R$60,00 na saraiva e não comprei.
Bom tenho tanta coisa para ler que até terminar já lançaram outras edições(espero).
Bom tenho tanta coisa para ler que até terminar já lançaram outras edições(espero).
lavoura- Guerra e Paz
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Re: MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. 1930-1942
Só falei que ele não faz nada De certa forma o catálogo de tipos austríacos só faz sentido pq somos dirigidos através deles por esse protagonista tão analítico, como vc disse, que tenta se defender a todo custo das imposições do mundo.
Na edição que eu tenho não tem esse Diário.
Na edição que eu tenho não tem esse Diário.
tiago- Crime e Castigo
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Re: MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. 1930-1942
tiago escreveu:Só falei que ele não faz nada De certa forma o catálogo de tipos austríacos só faz sentido pq somos dirigidos através deles por esse protagonista tão analítico, como vc disse, que tenta se defender à todo custo das imposições do mundo.
Na edição que eu tenho não tem esse Diário.
Mas, você falou que a edição que tu leu termina com a leitura do diário
A Ágata fica lendo o diário dele escondido.
Mat- Guerra e Paz
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Re: MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. 1930-1942
Ah verdade, pensei que tinha uma sessão só pro diário separada do conteúdo do livro.
tiago- Crime e Castigo
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