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Miller’s Court, 13

O velho mandou seu criado me buscar depois da meia-noite. Eu sabia que essa seria a última vez que ele contemplaria o luar no mundo dos vivos. Para me chamar assim com certeza deveria ser algo muito importante.
Enquanto deslizávamos pelos becos imundos da velha Dresden, entre uma tragada e outra no meu cachimbo, fixei meus pensamentos nas possibilidades do artefato que ele teria pra me oferecer, sendo que eu já não possuía mais nada para oferecer a um moribundo.
Ao chegar no velho casarão, o criado com seu ar solene, me conduziu por entre os móveis, esculturas e objetos de arte raros para onde o velho gostaria de viver seus últimos momentos: a biblioteca. E lá estava ele, deitado num velho sofá, embrulhado em trapos imundos, rodeado de velhos tomos e coleções esquecidas, algumas originais, empesteando o ar viciado com o peso da história. Tive a impressão que ele sorriu ao me ver.
Trêmulo, com um olhar estático que atingia o fundo da minha alma, suas mãos enrugadas me ofereceram algo como um velho diário. Aquilo deveria ter uns duzentos anos. O brilho insano no olhar do velho, sua última fagulha de vida denunciava quão importante era aquilo. Lentamente, sem desviar os meus olhos do dele, retirei-o cuidadosamente das velhas e frágeis mãos enrugadas e comecei a folhear. Não havia dúvidas, aquilo seria talvez um dos maiores enigmas da humanidade. Nunca imaginei como o velho conseguiu manter consigo por tantos anos sem perder a sanidade.
Um rompante de pavor começou a tomar conta de mim. Eu precisava saber quem era o autor do diário. Tremulamente com um cuidado hesitante me dirigi imediatamente para as últimas páginas. Li o trecho da data de 9 de novembro de 1888, escrito com a velha e esquecida caligrafia vitoriana. Cada detalhe desde como ele hipnoticamente a levou pelas ruas imundas, o odor de urina e fezes, as vielas impregnadas de lixo, a densa neblina que se abatia sobre aquele lugar. A alegria da jovem ao adentrar o número 13 da Miller’s Court e se despir voluptuosamente achando que seria mais um cliente que garantiria o pão bolorento e o conhaque do dia seguinte.
Mas a bestialidade tomou conta das páginas. A forma como descreveu cada golpe cirurgicamente direcionado para causar dor na vítima, para fazê-la ter consciência da sua morte iminente, de saber quem ele de fato era e o que fez com ela e as demais. Cada detalhe da mutilação da jovem ficou registrado com uma cruel satisfação. De como ele reduziu a uma massa sanguinolenta e desfigurada a carne daquela jovem prostituta. Eu não podia mais ler aquilo, abri na última página e vi a assinatura. Abismado, olhei novamente para o velho que com um sorriso falecia satisfeito lentamente, como se houvesse tirado o maior dos pesos da sua velha corcunda. Eu não podia crer. Nunca imaginei que o velho conhecia a identidade do estripador de Whitechapell.
Rapidamente desci as escadas, pressionando fortemente o diário contra o meu peito. Um frio intenso atingia minha alma enquanto eu me esgueirava por aquela madrugada até minha mansão. Ao adentrar, me ajoelhei perante a lareira, e olhei pela última vez aquela assinatura. Não seria possível, mas era realidade, a assinatura não negava. Lancei o livro às chamas que o consumia num frenesi diabólico. Alguns segredos nunca deveriam ser revelados.